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quarta-feira, 2 de março de 2016

Um velho farol

 Passam os dias e as semanas escorrem entre meus dedos, só vejo os pássaros e os peixes, o sol, a lua, o vento e a chuva.

Entra ano e sai ano e eu aqui no farol, resistindo ao tempo e a solidão.

Isolamento e introspecção, meu monólogo no farol não tem fim.

Ao entardecer, com o passar dos minutos o sol vai se escondendo e a paisagem fica bucólica. Ao anoitecer o farol é acesso, a forte luz que sai dele orienta alguns navegantes que por aqui cruzam.

A monotonia toma conta do ambiente, visitas aqui são raras, principalmente no fim do outono e chegada do inverno...amanhece...escurece....amanhece...

Há dias, principalmente os nublados e ventosos que ouço vozes, o mar cinza esverdeado mostra-se agitado, então consigo ver muitas sombras nas paredes do velho farol, quantos rostos e pinturas ainda inacabados.

Durante o dia, mesmo com o frio e as brumas, caminho muito, mas o segredo para não cansar é observar a natureza, cantar, pensar, escrever e desenhar, converso com a fauna, a flora e com o farol que um dia me acolheu e me acolhe.

Sobriedade e quietude são imagens do inverno daqui, me acostumei com essa atmosfera de solidão que se desfaz em calma e muita paz.

No verão alguns estrangeiros aportam por aqui, porém permanecem por pouco tempo, pois talvez não suportem a solidão e as vozes das marés à noite, aqui eles não tem muito o que fazer, a não ser observar e compreender a natureza e a si mesmos...

Quando vem a tempestade, o mar assusta e algumas embarcações se perdem e encostam aqui, apenas para tomar um fôlego e logo estão de partida...

O farol não é um porto de embarque e desembarque, mas atrai navegadores e impõe respeito aos que não estão acostumados com a sua altivez, com a bravura do oceano e as vozes da natureza.

Aprendi a meditar lendo e relendo o lento caminhar das tartarugas ou compreendendo o ágil voo das aves daqui, são minhas companhias do dia.

De todos esses anos que estou aqui, posso afirmar que APRENDI A FALAR A LINGUAGEM DOS PÁSSAROS E A SENTIR A REBELDIA DAS ONDAS DO OCEANO.

É quase impossível imaginar, porém, quando cheguei aqui, tinham pessoas me esperando para que eu ocupasse seus lugares e eles pudessem seguir, e outras que vieram ficaram pouco tempo comigo aqui no farol, foram em outros tempos..se se foram, pelo menos tentaram ...

Desde menina conheço o farol, quando no verão às vezes vínhamos de longe eu, meus pais e meus irmãos para uma pequena temporada, e os ventos do destino sopraram e me trouxeram para cá novamente, dessa vez para ficar e entender o farol e tudo que o cerca, então soube ( sempre soube) que eu pertenço a esse lugar e que ele me pertence, e que aqui tem tudo o que eu preciso...Não é comodidade e sim paz de espírito, aqui eu me encontrei .


 

Velho farol


Tua luz é projetada ao longe

Amortecendo a escuridão

Tua escuridão

Minha escuridão

A escuridão do mundo

O mar furioso

Acoita as tuas paredes

Em noites de tempestade

Ouço teus gritos

Entre fluxos e refluxos

Das ondas prateadas

Quantos naufrágios

Presenciamos

E quantas embarcações

Orientamos a direção

Não tememos o mar

Sabemos que não existe solidão

Que o silêncio tem voz

Aliás muitas vozes...

Ilumina distâncias

Sem temer o desconhecido


Seria o farol um alquimista?

Aprendi com ele a criar luz

E propagá-la ao longe

Arrebatando as trevas

Resgatando corações

Já sem esperanças do viver

Sou luz que navega pelas ondas

Invade as furnas e montes

Pequenos raios viajam

Aquecendo e soprando vida

Surpreendendo sombras esquecidas

Salvando almas...

Foi o farol quem me ensinou...   


Taís Mariano

 

Quinto Arcano

Luz de hierofante
Conduz-me aos teus castanhos
Olhos da maturidade, que refrigera
meu horizonte esverdeado
revelando a ponte que nos liga
com a quintessência da iluminação
És o quinto arcano
A sombra prateada, larga e macia
Que habita meus pensamentos, hoje
O mediador da paz curativa
Que destila o  elemento alquímico na terra
Acariciou minha alma  cansada
Emanando a força sutil
que cristalizou corpo e espírito
equilíbrio  das incertezas
pela dor...um verdadeiro amor
Não sustentaremos esse sentimento...
apenas com versos  e névoas de  ilusão
as letras de sangue estão coaguladas
atrofiaram-se os rituais de imposição
de um passado insípido
A certeza da  descoberta
A suavidade instalou-se
no tempo presente
nas mais puras emoções
desabrochadas naquele instante atemporal
Meu nome refletido em teus olhos
Caminha pelas tuas mãos
Percorre teus  longos dedos, tua ação
Teu nome desliza em minhas veias
Queimando de emoção
Mãos de hierofante falando mais que
mil palavras do tolo passado
Não preciso mais fechar os olhos
para sonhar... encontrei a direção
Com a  cura, os sofrimentos sucumbiram
Os grilhões arrebentaram pelo divino aborto
A morte de  um pretérito imperfeito
composto de períodos de mentiras
Percebo a felicidade na simplicidade
No hierofante , meu quinto arcano

Depois de uma forte dor,
de desespero e  escuridão
Chega o alívio inesperado
Compreendo que a cruz que carreguei
tratava-se de uma antena cósmica
que iria me conectar  com a verdadeira cura
A presença de  um quinto arcano...



























Sono de dezembro II

Dorme meu pássaro azul
Neste litoral    agora obscuro
Mais um sono de dezembro
Embriagado pelos sons das águas
Profundamente    perdido nos seus fios
de seda e solidão cinza,    grudados aos meus...
Que já regressei    e estou a lhe vigiar
Novamente vago pelas suas ruas turvas de sal
Na escura noite ouço...seus sussurros, seus ais
Entre o cimento e a areia, machuco meus pés
Me violento para chegar no seu ...breu
Seus vidros embaçados e um leve risco de luz
que a lua da sua orla... sustenta quase anêmica
Sonha seu íntimo desejo
na  impossibilidade do momento ...
Que as chuvas de março... cairão antes
m milagre está por nascer...
no cochilo descuidado    dos covardes e das    mariposas...
algumas palavras naufragadas,
nossas    gargantas apertaram
são espumas    sangrentas do mar agitado
Furtaram as horas... de nossos    corpos,
A alma se esconde e    arde em chamas...
Nossos anseios    jamais serão    castrados   
Meus, seus inesperados disfarces
Navegantes    na correnteza    inconscientemente
Repetições que se dão    no    caos momentâneo,
Para a quebra definitiva...desses sórdidos efeitos ...      
vejo    imortais semblantes...    transparentes
seus lençóis    amarrotados    pelo    temor    guardado
panos    pesados congelam ... no calor da    estação
algumas noites estarei    nesse lugar , meu senhor,    prometo
fazendo evaporar suas lágrimas azuis,    únicas...
contando as noites... para o seu acordar,
Dorme meu segredo ,minha quimera
Dorme meu pássaro azul...
Mais um sono de dezembro...

   Segredo azul...uma vez você disse sorrindo:
“deixe o pássaro azul voar e observe, vai e vem, vem e vai ... e “ele- pássaro” sempre retorna, pois...
Sopram segredos nas brumas...que não estão mais tão ocultos...
Dorme mais um sono de dezembro...    meu pássaro azul...























SONO DE DEZEMBRO I . . .
Alamedas escuras
ruas turvas
cobertas de areia
lavadas de suor
pálido medo
prédios inacabados...anêmicos
minh’alma errante
não quer descansar
caminha tateando os cordões e muros
escuridão sem destino
clarão no céu
lua cheia invade a noite
reflexos de luz nas poças d’água
farejo teu cheiro no ar...
forte maresia
almiscaradas madeiras
aproximo-me da tua janela
entreaberta para as brisas
aqui fora...o silêncio,as brumas
te descubro...entorpecido pelos sonhos...
adormecido entre os lençóis cremosos
madrugada desperta
nuvens preguiçosas encobrem o céu
penumbra ...
espio teu sono...profundo
embalado pela suavidade...
do vento que desperta
minha sombra nos pilares acinzentados,
sussurra que é hora de partir
o tempo passou depressa
o sol já vai nascer..

Taís  Mariano - Bruma Lilás

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Desenho do adeus


Súbito despertar
silêncio sacudido
estranheza no denso ar
janela aberta
vento, cortinas onduladas
chuva forte, tempestade
o som do trovão
impulsividade
um raio de desespero
a cortar o peito
rastros de sangue
calafrios
tua misteriosa partida ...


Taís Mariano

Embargo

Olhares sigilosos
furtivos
algumas borboletas amarelas
estado terminal
fim de linha
carretel vazio
pés no piso azulado
dando voltas sem rumo
pavilhões da noite
embargo na voz
amortecimento, morte
 
Taís Mariano - 2016

Silêncio por favor !  Solidão necessária.

Tem muita gente ao meu redor
Sufocando meus espaços
Vida barulhenta, enjoo nas multidões
Ilusões, são os arautos errantes
Falando sem parar,
lavando os cérebros do povo
Meus ouvidos doem, são muitos seres
Tramando, fingindo, matando,
e uns ...adulando os egos (ridículo)
Cansei dos gritos, das buzinas,
o burburinho, o som
Almejo o silêncio da noite no espaço
Que me levará  de volta ...
para o reencontro com meu ser consciente
então conseguirei sentir a paz dos monges
os murmúrios das minhas memórias escondidas
A boca do mundo a calar-se diante da leve atmosfera
Por algum tempo ficarei a sós com o universo
E no último instante olharei o mundo
Através de uma janela (de  johari ...)
Percebendo que ele se consume na doença da ambição
No câncer do crime enraizado, na corrupção desmedida
E vou sussurrar para quem quiser ouvir :

Solidão necessária!
Preciso reencontrar a vida!
 Silêncio, por favor!

Taís Mariano